Escrevi uma protagonista neurodivergente sem saber.
- Keyla Fernandes

- 27 de fev.
- 2 min de leitura
Astéria, a protagonista do meu livro O Querubim de Três Faces, tem características de uma pessoa neurodivergente.

Quando comecei a escrever o livro, ainda não sabia que eu tinha TDAH e achava que era só ansiedade.
Para trazer mais verossimilhança para a minha história e também por causa da construção da personagem, achei necessário que ela tivesse experiências específicas, baseadas nas minhas próprias, que demonstrassem alguns desconfortos com coisas corriqueiras, como desatenção em momentos de diversão, sobrecarga sensorial e a sensação de sempre se sentir deslocada. Tudo isso é parte importante de quem ela é e de quem ela vai se tornar.
De qualquer forma, Astéria tem características muito parecidas com as minhas, ou seja, de uma pessoa com TDAH. E, embora eu não soubesse na época, usei a escrita como uma forma de expressar também os meus desconfortos e colocar para fora a sensação de inadequação.
Então, um pouco antes de eu finalizar o livro, veio o diagnóstico de TDAH e altas habilidades. E tudo fez sentido.

No livro, Astéria tem essas características (e mais algumas que nunca experienciei) desde a infância, mas não deixei explícito qual era o diagnóstico dela. Os sintomas se agravam após um evento traumático durante sua adolescência. No entanto, ela se submete ao tratamento necessário e consegue ter uma boa qualidade de vida, até janeiro de 2016, que é quando o mundo começa a acabar. E daqui para frente, só lendo o livro para saber.
Mas a questão é: escrever sempre foi uma forma de lidar com os incômodos gerados por anos convivendo com sintomas que me faziam sentir burra, deslocada, estranha, preguiçosa e várias outras coisas. Sintomas que me prejudicaram na faculdade, no trabalho, nas minhas relações pessoais, especialmente com a minha família. Incômodos com os quais eu só conseguia lidar no papel, com palavras.

Assim surgiu a Astéria e, mesmo não deixando claro que ela é uam pessoa neurodivergente, nem ter usado isso como parte da divulgação, pessoas neurodivergentes que leram o livro identificaram essas características e se viram um pouco nela.
E isso me deixou muito feliz.
Quando você passa a maior parte da vida se sentindo um peixe bem fora d’água e então se identifica com um personagem de um livro, um filme, uma série ou até mesmo a letra de uma música, a sensação é de, de repente, não se ver mais sozinho na multidão. É saber que, em algum lugar, ao menos uma pessoa entende o que você sente. E este texto meio que virou uma continuação do anterior.
Enfim.
Eu me encontrei na escrita e espero ajudar outras pessoas a se encontrarem também.




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